domingo, 1 de março de 2015

Sobre a beleza e a crueldade das cores

Um céu luminoso, uma linda paisagem e um corpo preso ao tronco marcado pelo sofrimento. O belo “12 anos de escravidão”, de Steve McQueen, traz um retrato do horror provocado pela escravatura do ponto de vista de um pai de família que é enganado e escravizado. Nos Estados Unidos, Solomon Northup (Chiwetel Ejiofor, de “2012”) tinha uma vida tranquila com a esposa e os dois filhos, até o momento que recebeu a proposta de dois homens para tocar violino para um público ainda maior do que aquele que assistia a seus concertos habituais.


Deixando-se levar pela lábia da dupla, o músico é aprisionado, vendido e levado para uma fazenda. Apesar de saber escrever e tocar instrumentos, o rapaz precisa esconder suas habilidades, mas mesmo assim começa a despertar a inimizade em outros subalternos.  

Mesmo tendo a confiança de seu primeiro proprietário, Ford (Benedict Cumberbatch, o Sherlock Holmes da série de tevê e indicado recentemente ao Oscar por “O Jogo da Imitação”), Solomon não consegue convencê-lo de que é livre e acaba por ser repassado ao desequilibrado Edwin Epps (interpretado pelo ótimo Michael Fassbender, o Magneto de "X-Men Primeira Classe").

Munido de seu violino, a música, outrora uma forma do trabalhador esquecer da situação pela qual estava passando ou ainda de recordar os bons tempos, torna-se um instrumento de tortura, já que o fazendeiro acorda seus escravos durante a noite para fazê-los dançar e cantar como se fossem marionetes. Perceba que até uma canção pode ser usada para torturar, a exemplo de Singin' in the Rain, imortalizada por Gene Kelly, que em Laranja Mecânica, de Stanley Kubrick, foi cantada pelo protagonista Alex enquanto este violentava uma mulher.

Na fazenda, durante o dia, homens e mulheres precisam colher quilos e mais quilos de algodão, em grandes quantidades para não apanharem. A jovem Patsey (Lupita Nyong'o) era uma das que mais se empenhava no trabalho, mas isso não era o suficiente para satisfazer o patrão, que abusava da garota que ainda brincava de boneca. Essa subtrama lembra um pouco a relação que Leôncio mantinha com Isaura, de A Escrava Isaura, obra que inspirou duas novelas. Nesse livro, o patrão era apaixonado pela escrava, não medindo esforços para mantê-la sob seu domínio. Ao contrário desta, Patsey, entretanto, não contava com um abolicionista para lhe salvar.

Como se fosse culpada, a esposa do fazendeiro descarregava a raiva na moça, despejando, porém, no marido suas frustrações e minando sua confiança, insinuando que os trabalhadores não o respeitavam e ainda o faziam de bobo. E quando a colheita começou a apresentar problemas, Epps, no ápice de seu fanatismo religioso, culpava os escravos pelas perdas na lavoura.

Tentando não bater de frente com o casal, Solomon tentava contornar as provações que se apresentavam, mas mesmo assim esses tormentos o alcançavam, a ponto de, por exemplo, ser obrigado a bater em Patsey a mando de Epps.

Entre um belo campo e outro, surgia uma cena dura ou outra contemplativa e até em silêncio, mas todas importantes para compreender tudo aquilo que o protagonista estava sentindo. O engraçado é que, na minha visão, a presença do ator Brad Pitt não acresceu tanto à trama, apesar da importância do personagem na história. Pela interpretação, Pitt pareceu estar só reprisando algum outro papel e sua atuação poderia ter sido executada por outro ator, visto o tempo de exposição na tela.

Felizmente, a história do trabalhador, que é baseada em fatos reais, terminou bem, mas não podemos dizer o mesmo de todas as outras pessoas que morreram ao longo de décadas de escravidão no mundo todo, lembrando que o Brasil também foi uma das nações que mais demorou para abolir a escravatura,  somente em 1888 com assinatura da Lei Áurea.

Mesmo assim, ainda há resquícios desse sistema, seja o preconceito ou ainda se levarmos em conta as condições de trabalho atuais de diversas pessoas no mundo todo, cuja situação é vergonhosa.



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