quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

O Mistério dos Olhos II

Texto publicado em 2013 no Portal Contato Net 

Gosto é algo que não discute. Há quem goste mais da música internacional, e quem prefira os artistas nacionais. Temos opções diversificadas de filmes, mas há quem curta ainda uma novela. Na literatura é a mesma coisa. O leitor desta coluna conhece bem o apreço que tenho sobre o universo do escritor Machado de Assis. Não por acaso, vez por outra, mergulho nas histórias de incertezas e loucuras de personagens como Bentinho ou Quincas Borba, criações do consagrado autor, e transporto essas figuras para os dias de hoje, traçando um paralelo com o que observamos na cultura atual. 
Maria Fernanda Cândido

Essa é aquilo que vemos, ouvimos e absorvemos, trazemos para a nossa vivência através das conversas com outras pessoas, da convivência com os amigos e familiares e por meio da disseminação das ideias pelos canais de comunicação. A Web tem esse poder de interligar diferentes cidadãos em pontos distintos do planeta e multidimensionar um acontecimento, a partir do ato de compartilhar uma notícia entre as pessoas. Imagine, então, o que seria de Capitu, a personagem dissimulada dos livros de Machado de Assis, se fosse parar na internet os boatos que ela teria traído o marido?

Se Bentinho vivesse nesse século certamente usaria o facebook para stalkear a amada, mas paranoico como só ele, qualquer frase deixada na rede seria uma evidência da culpa de Capitu. #ciúmefeelings.

Por mais que existam evidências de que a personagem traiu o marido, o comportamento de Capitu e a suposta pulada de cerca ainda são um mistério para os intelectuais e amantes da literatura.

Ok, pensa o leitor, mas o que toda essa conversa sobre preferências, internet e Machado de Assis tem a ver com o tema da coluna de hoje? Eu explico; no mês passado, falamos aqui sobre o quanto as produções de hoje espelham-se nas ideias das mentes brilhantes do passado.

Assistindo ao último capítulo da novela “Sangue Bom”, lembrei de uma observação que já havia feito quando parei para olhar a trama. Na novela, Amora (Sophie Charlotte) era uma arrogante e cínica famosa apresentadora de tevê com uma carreira promissora. Nem de longe lembrava a sofrida menina de outrora, que foi abandonada pela irmã mais velha que não podia sustentá-la. Apesar de ter tido oportunidades boas na vida, a moça só aprontava e humilhava outras pessoas. Quando reencontrou o amor de infância, Bento (Marcos Pigossi), fez de tudo para ficar com o jovem, mas de forma desonesta. 
Sophie e Marcos na novela
Mesmo todo mundo alertando o rapaz, o moço acreditava piamente na namorada. Na frente dele, Amora mantinha um comportamento amável, mas com os demais era hostil ou agia dissimuladamente. O telespectador sabia da verdadeira conduta da moça, ao contrário dos leitores de Dom Casmurro, já que toda a história é contada pelo marido supostamente traído, Bentinho. Aliás, vocês notaram a semelhança dos nomes dos rapazes?

Ambas as moças, porém, dividem opiniões. Se por um lado, havia quem odiasse Amora pelo comportamento negativo, a moça tinha defensores durante a exibição da novela, que lembravam o quanto a jovem sofreu no passado e, portanto, agia por consequência de seu sofrimento. Na verdade, era uma personagem bem ambígua, nem mocinha nem grande vilã. Já Capitu também provocou discussões de gente que gostaria de entender qual o enigma por trás dos marcantes olhos.

O destino das duas, porém, foi bem adverso. Se a primeira mudou e recuperou a confiança e o amor do ex-namorado (pelo menos assim ficou subentendido), a outra não teve a mesma sorte: Bentinho separou-se da esposa, que depois acabou morrendo.
Se na ficção não é possível mudar o fim, na realidade temos a oportunidade e devemos mudar o curso da vida, para que a dúvida não venha nos perseguir no futuro.






Nenhum comentário:

Postar um comentário