quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

O Mistério dos Olhos

Texto publicado em 2013 no Portal Contato Net

A linguagem corporal desvenda verdadeiros enigmas do comportamento humano. Um gesto ou uma sequência de atos podem ter um amplo e forte significado e também dependem do contexto em que são inseridos. Uma das mais simbólicas partes do corpo são os olhos.

Há quem diga que é possível conhecer mais sobre uma pessoa observando o seu olhar e a associação das palavras com o referido órgão. Para ajudar a detectar um possível mentiroso, inclusive, existem testes e manuais de orientação para auxiliar na procura de sinais que atestem a veracidade do que é contado pelo outro. 
Maria Fernanda Cândido, como Capitu,
na minissérie homônima

Até máquinas da verdade e programas de televisão já se prestaram ao serviço de demonstrar o perfil de quem mente, nas situações apresentadas pelas atrações. Se na vida real ficou fácil de saber se alguém está falando a verdade, na literatura de Machado de Assis parece que uma dúvida permanece eterna: Capitu traiu ou não traiu Bentinho?

Capitu deve ter “salgado a Santa Ceia”
Não é de hoje que os autores do passado influenciam os escritores atuais. Observamos ecos da influência de Machado de Assis, por exemplo, nas novelas em exibição. Há algumas semanas, o vilão de “Amor à Vida”, Félix (Mateus Solano, em uma das interpretações mais elogiadas do momento) compara a ex-mulher a uma serpente, que se enrosca em seu corpo e da qual ele não consegue escapar, já que desejava só tirar proveito da situação financeira do mau-caráter.
Mateus Solano, intérprete de Félix
Quando escutei sobre a associação das duas figuras, naquele momento veio-me um lampejo e na hora lembrei-me de uma analogia feita por Assis sobre a mulher, semelhante a que o personagem de Solano apresentara. 

Apesar de ambos compartilharem da ideia, Félix usa mais humor do que o autor brasileiro ao se referir ao sexo feminino, humor esse muitas vezes associado a uma acidez que corrói qualquer sutileza dos diálogos da cena. Além de falar sobre a mulher, o vilão demonstra os sentimentos e insatisfações com algum bordão afetado, como o famoso nas redes sociais, “Eu devo ter salgado a Santa Ceia”.

Desde que a homossexualidade do personagem foi exposta à família, o rapaz tornou-se assunto frequente na trama. Outra persona que é constantemente tema de discussões nos círculos literários e acadêmicos é Capitu, a amada de Bentinho, de “Dom Casmurro”.  
Bentinho, em Capitu
A dúvida que habita as mentes dos amantes da leitura em geral é se a esposa traíra o personagem com o melhor amigo, Escobar, já que este seria muito parecido com o filho do casal, só para citar um dos indícios mais fortes da desconfiança de Bentinho. Na trama, os olhos constituem elementos cruciais na história dos enamorados, do ápice ao declínio do relacionamento.

Traição Versus Imaginação
Olhos de ressaca? Vá, de ressaca. É o que me dá ideia daquela feição nova. Traziam não sei que fluido misterioso e enérgico, uma força que arrastava para dentro, como a vaga que se retira da praia, nos dias de ressaca”. 

O trecho é um dos mais famosos do livro e dá uma ideia do poder de influência e sedução de Capitu. E de convencimento, afinal, não seria ela a personificação da mulher dissimulada, que finge, manipula para conseguir atingir os objetivos desejados?

Ou seria Bentinho, um homem possessivo e neurótico que fantasiara toda a traição e comportamento ensaiado do cônjuge? E se a bela realmente tivesse o traído, em resposta à conduta e o caráter do esposo? Suposições, claro, a respeito de uma das personagens mais inquietantes de nossa literatura, que assim como o personagem do autor da novela, Walcyr Carrasco, causa grande polêmica.










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