quinta-feira, 21 de maio de 2015

Escravidão, chaga presente na ficção e na realidade

No último dia 13 de maio, a data da abolição da escravatura no Brasil foi lembrada no país, um marco que, apesar da importância, não conseguiu até hoje derrubar resquícios deixados pela exploração da mão de obra escrava. Prova disso são as frequentes denúncias no país de profissionais trabalhando em condições que beiram à escravidão ou de relatos de pessoas que sofrem preconceito no cotidiano, no trabalho, ou o que é pior, na escola, um local que deveria transformar o pensamento das pessoas e não disseminar práticas como essa.
Além dos noticiários que abordam essas questões, as novelas, filmes e seriados, quando querem, também contribuem com esse debate. Recentemente, a Record anunciou que exibirá em breve Escrava Mãe, uma produção para contar sobre a vida da mãe da famosa escrava Isaura, heroína do livro homônimo de Bernardo Guimarães e que inspirou a realização de duas novelas, uma na Globo, protagonizada por Lucélia Santos e outra na Record, estrelada por Bianca Rinaldi. 
Lucélia Santos e Rubens de Falco em cena.
 
Bianca e Pacheco na versão da Record. Foto: divulgação.
As duas produções fizeram sucesso na época em que foram lançadas, mas a versão antiga teve um peso maior por ter sido a pioneira e ter catapultado a atriz ao estrelato.

A outra trama, por sua vez, foi elogiada e estimulou a outra emissora a apostar mais no segmento. Além disso, a Record trouxe uma adaptação mais fiel ao livro, pela caracterização de personagens e algumas conduções da história. Se você não conhece a trama, vou tentar resumi-la: em Campos de Goitacases (RJ), uma escrava bonita e jovem (Juliana) apaixona-se pelo capataz da fazenda, Miguel, e juntos têm uma criança.
Quem não gostou nada da história era o Comendador Almeida, pois tinha interesse na escrava. Com a morte de Juliana, a esposa do fazendeiro acaba criando a menina, que é educada como se fosse filha daquela senhora.  O marido da sinhazinha já não gostava daquela situação, mas tudo piora quando o filho e herdeiro das terras, Leôncio, retorna de viagem e acaba se apaixonando pela moça. A morte da mãe de criação deixa Isaura em apuros.

Para escapar das tentativas do vilão, Isaura e o pai fogem e tentam reconstruir a vida, tentando manter segredo sobre suas verdadeiras identidades. Só que a moça acaba conhecendo o mocinho abolicionista Álvaro, os dois se apaixonam mas acabam prendendo a menina e lá vai ela de volta para a fazenda. Sofre mais um pouco, mas no fim, pelo menos no livro, os dois ficam juntos e Leôncio tira a própria vida. Por se tratar de novelas, as tramas acabam criando mais histórias e acrescentando personagens inexistentes na obra para render mais capítulos.

Curiosidades

*Na primeira versão, Leôncio era interpretado por Rubens de Falco, que encarnou o pai do vilão na novela da Record. Já o perseguidor de Isaura foi vivido depois por Leopoldo Pacheco. O fazendeiro na versão pioneira foi interpretado por Gilberto Martinho.

*Já a atriz Norma Blum, que era Malvina, mulher do mau caráter, viveu a mãe do vilão na segunda versão. Na primeira adaptação, é Beatriz Lyra quem faz seu papel.

Desfechos

*Na primeira versão, Malvina e Tobias (Roberto Pirillo, primeiro amor de Isaura) perdem a vida em um incêndio. Na segunda, Malvina não morre. Já o outro personagem não existe nem no livro nem na segunda adaptação.

*Na primeira versão, Leôncio tira a própria vida (o que está de acordo com o livro), já que estava falido e não conseguiria ficar com Isaura mesmo e, na segunda, o bandido é assassinado e começa aquele mistério todo do famoso e manjado recurso “quem matou fulano?”. Na primeira exibição da segunda adaptação, quem matou Leôncio foi o capataz Chico (Jonas Mello), mas conforme a emissora reprisava os capítulos, a identidade do assassino mudava.

Diferenças

*Rosa (Léa Garcia/ Patrícia França)antagonista da heroína, é caracterizada na primeira versão como uma mulher de pele negra, malvada e nada bonita. Já Isaura tinha a pele branca, era educada e bondosa. A versão da Record traz as duas personagens um pouco mais próximas da descrição do livro, mas nem tanto. Na novela, Rosa é bonita, é morena, continua má e sem refinamento algum; já Isaura segue na mesma linha da outra novela.

Na obra literária, porém, as duas tem o mesmo tom de pele e dá até para questionar que talvez a mocinha não fosse branca e sim mulata se prestarmos atenção em alguns diálogos no livro, como quando o irmão de Malvina chama a moça de “mulatinha”. Há quem indague o porquê da personagem ser branca, e não negra, apontando talvez um indício de preconceito por parte do autor, mas outros estudiosos defendem que o enfoque era reforçar que não havia diferenças entre os ditos escravos e seus patrões e tentar tocas as pessoas dessa forma.

No livro, é ainda reforçado que tanto Rosa quanto Isaura tinham os mesmos atributos físicos, eram belas, mas o que diferenciava as duas era o caráter. E claro, a educação que a mocinha teve e a outra não.

*A Isaura do livro é muito menina, doce, discreta e triste! A Isaura de Lucélia talvez tivesse mais a essência da personagem, enquanto Bianca também apresentou um bom trabalho, mas às vezes transparecia que a atriz esquecia que estava passando por um grande sofrimento e surgia em várias cenas sorrindo e conversando bem despreocupadamente.

*Óbvio que não deu muito tempo para se manifestar, porque a primeira Malvina morreu cedo, agora a segunda Malvina demonstrava um ódio pela mocinha que quase beirava a aquele sentimento nobre (só que não!) demonstrado pela esposa do fazendeiro Edwin Epps (Michael Fassbender) no filme “12 anos de Escravidão”. A produção mostra o sofrimento das pessoas de forma reflexiva e, muitas vezes, chocante. É um belo e tocante filme, se você puder, assista.

Voltando ao assunto principal, tanto Isaura quanto Patsey (Lupita Nyong'o) eram hostilizadas pelas sinhazinhas e vítimas do abuso de seus patrões. A diferença é que havia mais gente para proteger a escrava branca do que a outra menina, tanto que Leôncio não violentou a heroína, enquanto a personagem do filme não teve tanta sorte assim, sendo abusada frequentemente por seu proprietário.
Cena de "12 anos de Escravidão". Foto: divulgação.
Essa violência toda não é algo muito explorado no livro sobre a escrava branca. É importante salientar que a primeira obra trata-se de ficção e a segunda é baseada nas memórias reais do protagonista, adaptadas para o cinema, mas ainda sim mais próximas à realidade. Além do mais, o público do livro na época era conservador e mais restrito e até a temática da abolição era um assunto delicado para se tratar naquele período.

Espero que tenham gostado da leitura, até o próximo post. 

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